terça-feira, 19 de maio de 2020

Sobre realizar um sonho - e as consequências disso

Realizei um sonho antigo, que me acompanha há mais de 15 anos. Comprei uma motocicleta nova. Inglesa, com visual retrô. Era tudo o que eu sempre quis. Se estou feliz? Não sei. Acho que não.

Explico: a minha vida inteira eu corri atrás de amor, de afeto, de presença. Lutei por isso, gastei com isso, fui atrás mesmo. Colecionei humilhações, comportamentos patéticos e súplicas: tudo por querer aquilo que todos querem: um pouco de amor. Então, agora, tive a chance de gastar minhas economias de 3 anos para correr atrás e repetir todo esse processo exaustivo e degradante - ou eu poderia fazer algo novo.

E, mesmo com meu coração me implorando para fazer tal coisa, segui a razão. Quebrei o ciclo. Pensei em mim mesmo pela primeira vez em mais de 10 anos. Então, não, não estou feliz ou leve. Estou angustiado pra caralho. Sozinho e tal. Mas não estou nem um pouco arrependido. Demorou muito para que eu entendesse e aceitasse que tenho que amar, primeiramente, a mim mesmo. Afinal, se eu não me tratar bem e ser compassivo ao ponto de realizar um sonho material para mim mesmo, quem vai? Uma vida toda de concessão, humilhação e de busca por migalhas de amor e afeto não é uma vida que merece ser vivida. Vivi isso por tempo demais, então sei do que falo. Não estou feliz ou leve, mas espero que, com o tempo, pelo menos eu me sinta livre.

Algumas coisas das quais sinto falta

Sinto falta de olhar nos olhos de alguém e ver o mundo todo ali - de ver quando o amor transborda pelo corpo através dos olhos. Falta de mãos delicadas e macias em contato com as minhas. De um hálito quente que fala próximo a mim e faz com que meus pelos se arrepiem. De um abraço (um parêntese aqui: detesto abraços, mesmo aqueles rápidos quando cumprimentamos alguém. Mas sinto falta de um abraço específico, de sentir um corpo junto ao meu por alguns segundos e desejar que estes segundos fossem infinitos. Daquele abraço que nos deixa tão confortáveis que não queremos mais soltar e ficamos até mesmo excitados). Sinto falta de sexo. De sentir o calor de alguém, dessa troca cheia de desejo e sem nenhum tabu, de explorar um corpo e ter o meu explorado, de dar e receber prazer. Sinto falta de conversar, trocar experiências, causos, curiosidades e amenidades. De rir com alguém. Sinto falta de ter alguma pessoa parceira, que seja confiável e que possa confiar em mim também.

São muitas as faltas e muitos os sentimentos.

Sonhando com Cafés

Tenho sonhado bons sonhos. Sonhos confortáveis e tranquilos. Pacíficos e delicados. E tenho sonhado muito com Cafés. Creio que isso seja um reflexo imediato de meu desejo de sentar com alguma alma afim em uma cafeteria e conversar demoradamente sobre a vida, o universo e tudo o mais. Olhar nos olhos. Quem sabe um toque de mãos.

Sinto muita falta disso. Mas, não vou mentir: mesmo antes da pandemia eu já sentia essa falta - e se não fazia isso era por falta de companhia. Então, afinal, o desejo de passar uma tarde inteira em uma cafeteria tem a ver com o desejo de passar a tarde inteira com alguém; desejo por interação, comunicação, troca.

Sei que ao dizer isso corro o risco de ser completamente patético. Mas é isso que somos: seres que buscam pateticamente por alguém que nos tire de nossa solidão, mesmo que seja só por alguns momentos confortáveis, tendo como desculpa uma xícara de café em cada mão em uma mesa qualquer.



Nesta atual situação em que o mundo se encontra, tenho sentido que é momento de ficarmos com quem amamos, com quem nos quer bem e por perto. Reforçar estes laços, estreitá-los... Precisamos acreditar que tudo isso vai passar uma hora. E com pessoas queridas por perto, esse crença se torna mais palpável. Ou algo assim.

No entanto, nunca me senti tão sozinho em toda a minha vida. Minha família tem sido um grande suporte, como sempre. Mas a solidão que sempre senti aumentou muito. Antes, quando me sentia sufocado e quase desesperado, saía e passava a tarde em um café ou a noite em um bar qualquer. Agora, só tenho o silêncio do meu quarto e o vazio das ruas, o que torna difícil essas fugas da realidade. Não sei o que fazer, não sei quando tudo isso vai mudar. Nestes tempos estranhos tenho me sentido também muito estranho, cada vez mais calado, fechado e só.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Tempos Estranhos

São tempos estranhos. Para todos em todo o mundo.Um vírus, uma ameaça invisível, mudou tudo.Ainda não me adaptei a esta nova configuração global.

Viagem marcada com passagens compradas, férias programadas, investimentos e metas/objetivos... Tudo abortado. Alguns dizem que levaremos cerca de dois anos para ter certa normalidade. Outros, que tal normalidade nunca mais retornará.

Não tem muito o que eu possa fazer. Trabalho, leio, descanso e tento não enlouquecer. Preocupo-me com as pessoas que amo. Preocupo-me com as pessoas vulneráveis. Mas, repito, tento não enlouquecer. A vida segue. Como e até quando, não sei. Mas segue.

(Faz certo frio agora. Tomo um café enquanto escrevo. O mundo está um caos, mas estou em paz.)

terça-feira, 31 de março de 2020

Encontros e Desencontros (diário de sonho)


Eu estava em uma grande cidade. Em um local com muitos bares e restaurantes. Sabia que você estava por ali. Mas procurei, procurei e não te achei.

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Estávamos juntos, andando pra lá e pra cá. Conversávamos com tranquilidade e certo constrangimento.Como crianças que acabam de se conhecer.

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Peguei um elevador, e quando a porta se abriu eu estava dentro de uma loja de departamentos que dava para um calçadão e uma praça. Dali, caminhei para a esquerda e comi em um restaurante. Depois, fui procurar uma casa do lado direito. Bati, mas ninguém me atendeu. No caminho, conversei bastante com o taxista.Era perigoso andar por ali, ele disse. Mas não tive medo.

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A cidade era um lugar bonito, com alamedas e praças. Tirei fotos e você estava ao meu lado.Sorríamos com leveza, um sorriso de quem não tem pressa e não tem outro lugar que queria estar.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Passing afternoon




Não é uma foto bem produzida. Apenas coloquei o livro ali do lado e pousei o cachimbo por um momento, para escrever este texto verborrágico.

Não me lembro qual foi a última vez que tive um momento assim. De tranquilidade e descanso. O tempo livre que tenho é para descansar, mas como vivo cansado, nunca consigo aproveitar muito bem. Durmo muito e, ao fim de cada domingo, sinto apenas que recarreguei as energias o suficiente para encarar a próxima semana. Parece que nada nunca rende, nada se desenvolve de uma maneira satisfatória.

Nestes dias de isolamento social, usei o último fim de semana para descansar. Sem trabalho. na segunda, passei o dia lendo (e terminei um livro inteiro).
Hoje, neste fim de tarde, fiz um café forte. Sentei nas escadas da porta da frente da casa, piquei uma porção de fumo de corda, abasteci o cachimbo e dei algumas tragadas preguiçosas, ao som de Sulfjan Stevens. Li um conto do Caio; mais algumas tragadas. Sem propósito, sem pressa e sem nenhum cansaço.

Eu poderia viver uma vida inteira assim, como um hobbit, ociosamente entocado entre cachimbos e livros. Apenas vendo a tarde passar…



sexta-feira, 13 de março de 2020

Não sou bom com pessoas

Quero dizer, não sou bom em lidar com elas. Não sei conversar, puxar assunto ou manter um diálogo interessante. Quanto menos conheço a pessoa, mais dificuldades tenho em me relacionar com ela. Quando eu era adolescente eu atribuía isso à timidez. Depois de adulto, descobri que não era isso.

Sou uma pessoa muito intensa e não consigo manter conversas frívolas ou superficiais. No dia a dia é penoso ter que aturar este tipo de contato. Em um âmbito mais pessoal, procuro estar sempre com amigos íntimos. Não gosto de grupos nem de lugares com muitas pessoas. É isso.


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Uma coisa maravilhosa sobre amizade é que ela não perde sua força, mesmo quando as pessoas perdem o contato. Vi um cara na rua hoje que ia muito em minha casa há uns 15 anos. Distanciamo-nos naturalmente; acontece. Cada um seguiu seu rumo. E ao vê-lo, em alguns segundos estávamos conversando com a mesma naturalidade e intimidade de 15 anos atrás. Isso me deixa feliz. Convidei ele para me fazer uma visita.

Por outro lado, às vezes me incomoda - mesmo que isso seja normal - quando pessoas que já foram tão próximas, íntimas e presentes se tornam estranhas. Tudo fica esquisito. Como se houvesse uma parede, um tabu ou algo invisível que impedisse a reaproximação. Respeito e nunca tento me reaproximar nestes casos, nunca forço nada. Mas fico naquela nostalgia ao ver essas pessoas, e com um ponto de interrogação na cabeça. Sim, eu gostaria muito de me reaproximar. Mas não sei como.

domingo, 1 de março de 2020

Sobre emanar amor

[Apenas um pequeno complemento sobre o post anterior]

Tendo em vista a solidão como algo inerente ao ser humano, tendo em vista nossa luta diária para lidar com isso, eu tento ser uma pessoa que emana amor. Com franqueza, sem interesse, sem motivo, tento sempre mostrar isso ao mundo. Procuro deixar as pessoas com as quais em cruzo sempre com um sorriso leve no rosto e uma sensação boa. Sei que é insignificante perante o vazio, o acaso e a falta de sentido de tudo. E não faço isso porque é algo que é gratificante para mim - como um introspectivo, um introvertido, qualquer tipo de interação me cansa e esgota rapidamente. Faço isso porque penso que, nem que seja por um breve momento, as pessoas que passam por mim podem se sentir leves e tranquilas e, quem sabe, por um brevíssimo momento, seu fardo pode pesar menos. Se eu pudesse ter um verdadeiro papel em minha vida, seria esse: de ser o que traz a leveza aos outros, mesmo tendo em si todo o peso do mundo.


100 anos de solidão

A vida é estranha. Um dia está tudo bem. Tudo perfeito. No outro, nada está bem. Qualquer aspecto da vida de qualquer pessoa pode mudar com muita rapidez. Para melhor ou pior. Um emprego novo, uma morte inesperada, o fim de um longo relacionamento, o começo de um novo relacionamento, uma mudança de casa, uma nova amizade, o fim de uma antiga amizade. Qualquer coisa. A qualquer momento.

Somos fortes perante as adversidades. Procuramos um sentido para tudo. Deus. Espiritualidade.  Pseudociência. Tentamos entender a mente, saber como reagir, suportar, lidar. E seguimos em frente. Claro, entendo que uma pessoa ou outra não consegue. Mas são exceções - e respeito muito quem tem a coragem necessária para desistir. Enlutados, solitários, confusos, tristes, miseráveis, presos, sufocados, seguimos. 

A vida é estranha e solitária. Solidão é um aspecto inerente à vida. Mas é algo que pouquíssimas pessoas ousam encarar, mesmo que só por algum momento. Todos somos criaturas extremamente solitárias e buscamos todo o tipo de panaceia para isso. Mas não há religião ou relacionamento que nos livre de nossa solidão. Alguém pode dizer "eu não concordo. Eu não me sinto assim." Mas sabemos que isso será uma mentira. A solidão, em última instância, vem da falta de lugar no mundo. Da falta de propósito. Quanto mais a pessoa entende dos mecanismos da existência, da rotina, das pessoas e do que é realmente viver, mais sozinha ela se sente. Há quem encontre conforto na espiritualidade e em qualquer religião. É, ao meu ver, um tipo de enganação que só pode ter um dos dois motivos: por ignorância ou por fraqueza. Ignorância no sentido de acreditar piamente em tudo sem nunca contestar e tirar daí sua força. E fraqueza por não querer transcender o fino véu do conforto religioso e espiritual e encarar o vazio adiante. 

Há também quem encontre conforto em outra pessoa. Acredito que este tipo de solução para a solidão seja mais benéfico do que a anterior, porque uma outra pessoa pelo menos existe e não é um apanhado de mentiras loucas usadas para enganar, persuadir e controlar as pessoas. Isso é, se o relacionamento for saudável. O problema é que pessoas vem e vão. Portanto, quem busca esta fuga para a solidão, ou passa de um relacionamento para outro e encontra o maior amor da vida todo ano em uma pessoa diferente, ou se sente extremamente e eternamente sozinho por ter perdido este amor. Claro, eu sei que a maioria das pessoas encaram relacionamentos como são, apenas relacionamentos, e não como uma salvação (deixo aqui um parêntese de peito aberto e deveras constrangido: vejo essas histórias de casais juntos há décadas e décadas e décadas que ainda se amam e convivem bem até o fim de seus dias e meu coração se enche de ternura e amor. Eu ainda realmente acredito em algo assim. É raro e mágico, mas existe. Sim, eles ainda têm a solidão em suas vidas. Mas, em momentos extremos sabem que têm um ao outro).

Sou 100% funcional, como qualquer pessoa normal. Trabalho, faço minha academia, tenho meu círculo social, meu relacionamento. Viajo sempre que posso, visto-me bem, uso perfume,  faço a barba, uso até gravatas e cachecóis, evito conflitos desnecessários, discussões, tento resolver tudo através de muito diálogo, enfim, cuido de meu exterior e de meu interior. Tento manter a sanidade e seguir em frente. E até o momento, creio que tenho me saído muito bem. Minha vida tem caminhado para a frente - não como planejei, mas mesmo assim, adiante. 

No entanto, há a solidão. Fui uma pessoa solitária por toda a minha vida. Por evitar amizades superficiais e que não acrescentam em nada, por evitar amizades que existiam apenas para que eu não me sentisse sozinho, sempre convivi com a solidão. Algumas vezes ela é reconfortante, porque sei lidar com ela. Mas em outras ela é pesada, densa e sufocante. 

De um dia para o outro tomei um golpe neste sentido. Sem planejamento. Sem aviso. Apenas aconteceu. E agora, a solidão que era apenas neblina virou granizo - e chove em mim. Por quanto tempo, não sim. Sei que continuarei. Sou resiliente. Só eu sei os demônios que já enfrentei, os leões que já matei. Mas confesso: não é fácil viver em solidão, com esse nó na garganta e esse ímpeto de se isolar cada vez mais. Nunca foi fácil. E agora viver assim ficou ainda mais pesado e denso. Este é o meu fardo, o da solidão. E, mais ou menos pesado, é o fardo que todos nós precisamos carregar.


*Escrevi este texto usando como trilha sonora algumas das fugas de Bach. Dizem que Beethoven foi o maior. Wagner, o mais épico. Mozart, o mais genial e ousado de seu tempo. Encontro em Arvo Part a melancolia que tenho em mim, mas nem sempre consigo encará-lo. Mas Bach não emana em suas músicas um aspecto da vida, seja ele emocional ou técnico. Bach transcende a própria vida. E o que há depois da vida? O divino. Encontro meu Deus, minha espiritualidade, na música. E a música que chegou mais perto dos céus foi a de Bach. Ele me ajuda a seguir em frente. Coloco meus fones e durmo com uma sensação de estar abraçado com Deus. Um Deus verdadeiro, sonoro, que vive na música. (no vídeo abaixo deixo um arranjo da "Pequena Fuga" para orquestra, feito pelo maestro Stokowski).






But for now... I feel like nothing