quarta-feira, 3 de março de 2010

Há três dias seguidos chego em casa e sinto um odor funesto. Meu pai trabalha à noite e minha mãe também. Não não, ambos têm trabalhos pudicos e socialmente corretos e bem quistos pela sociedade. E a minha irmã dorme sempre na casa de minha avó, para fazer-lhe companhia. Síntese: chego em casa e passo a noite toda só. É perfeito. Mas esse cheiro começou a incomodar-me muito, além do normal.

É um cheiro de morte, adocicado, que penetra nas narinas e não sai mais. Pois hoje resolvi fazer uma investigação. Depois de abrir e fechar armários e verificar até no lixo, descobri o que era. Um maldito odorizador com perfume de rosas. Explicado. As rosas têm uma relação direta com a morte para mim. Lá pelos meus doze anos fui com a família toda a uma cidadezinha onde outros parentes moram, para o velório de uma prima distante, que morreu ainda criança, atropelada por um carro. Como ainda é costume em muitas cidadezinhas, velavam-na em casa. Lembro-me perfeitamente da garota de cabelos louros cacheados, pálida e inchada suspensa dentro da urna no meio da sala.A mãe da garota, cega, tateava o rosto frio e maquiado e chorava lágrimas invisíveis. Outros estavam em silêncio, sentados em cadeiras ao redor da morta. Alguns caminhavam até ela, olhavam-na, pegavam sua mão.Retiravam-se.E rosas. Em volta da urna ou em adornos nas paredes. Rosas por toda a sala.

Durante a viagem eu só pensava em uma coisa: nunca havia visto alguém morto antes em minha vida. Qual será a temperatura corporal, a textura e, principalmente, o cheiro? Tinha quase certeza que um forte odor de carne em decomposição emanaria da minha parente morta. Mas não. Nesse dia, toda a casa, a morta, a tristeza das pessoas, tinham cheiro de rosas. E, desde então, as rosas tem o cheiro da morte. Cheiro esse que não gosto nem um pouco. Alguns anos depois, quando, ao entrar na casa de minha avó, senti o mesmo cheiro. meu coração acelerou e abri a porta de seu quarto rapidamente. Ela estava na cama sentada com um hidratante corporal de leite de rosas nas mãos. Foi como vê-la morta em vida.E, sem explicar meus motivos, convenci-a de nunca mais usar tal produto tétrico.