A
ingratidão é um aspecto inerente ao ser humano. Precisamos aceitar este
fato, esta parte de nossa natureza, pois ao aceitar podemos trabalhar
para mudar. Não é fácil, mas é possível.
Temos
a tendência de ignorar quase tudo de bom que fazem por nós. Cada
esforço, agrado, demonstração de amor, preocupação, afeto, amizade,
confiança e até mesmo gratidão vinda do outro se mostra ineficaz.
Sentimos que quem age assim conosco não faz mais do que a obrigação, do
que o mínimo possível. Somo seres egoístas e individualistas. Mas,
claro, recusamos este fato sobre nós mesmos e se alguém nos acusa de
algo tão terrível assim, não aceitamos.
Falar
sobre gratidão sem cair em lugar-comum é difícil. Não me refiro aqui à
gratidão por estar vivo e não penso que você deva fazer saudação ao sol
sempre que acorda pela manhã. Pro inferno com “namastê” e “carpe diem”.
Falo da gratidão em relação aos outros e ao que fazem por você. De
reconhecimento, e até mesmo de alteridade e empatia.
Devemos
nos policiar constantemente, analisar como as pessoas nos tratam, para
que assim não sejamos injustos e ingratos. Penso que algumas coisas
ajudam na manutenção da ingratidão e discorro rapidamente sobre elas a
seguir:
Temos
a tendência de relevar coisas boas e positivas (ainda mais quando elas
são quase uma constante) e elevar coisas ruins e negativas que nos
acontecem. Assim, aquela pessoa que faz muito por você nunca é notada, a
não ser quando erra. Isso é muito comum nas relações de trabalho.
Afinal,todos já sentimos em determinado momento que trabalhamos e nos
esforçamos muito, mas nunca tivemos o reconhecimento merecido — o
reconhecimento só existe no fracasso.
Por
notarmos mais os comportamentos e aspectos ruins de nossas relações,
guardamos rancor e colocamos quaisquer outras atitudes e acontecimentos
em uma espécie de balança emocional em que o lado negativo acaba pesando
sempre mais. Isso acontece com quem é traído, por exemplo (e lembro
aqui que a traição pode ser com outra pessoa ou — a que alguns
consideram ainda pior — a traição da confiança). O perdão, por mais
falso e aparentemente fútil que seja, é necessário, uma vez que se trata
de um mecanismo que nos permite seguir adiante em nossas relações que
foram fraturadas. No entanto, além de não perdoarmos, ainda inibimos
qualquer tentativa de reparação.
Pessoas
boas demais nunca recebem gratidão. Quando o comportamento normal do
indivíduo é de ser caridoso e ajudar a todos como pode, quando o
indivíduo é sempre alguém prestativo e pronto para fazer qualquer favor a
qualquer hora, ele perde seu valor. Como alguém que constantemente é
assim, ele não é mais notado. E se uma vez apenas não ajuda alguém, por
qualquer motivo que seja, é crucificado. Quando acostumamos as pessoas a
terem todos os seus desejos e exigências prontamente atendidos, elas
verão isso como um direito, como algo normal, e se deixamos de cumprir
com alguma exigência ou desejo, por mais egoísta ou aproveitador que
seja, tornamo-nos nós egoístas e aproveitadores. Acostumar alguém à
nossa caridade e boa vontade pode ser um erro e, se fazemos isso, deve
ser uma escolha consciente de que quase nunca será algo recíproco.
Por
fim, a intimidade pode ferrar com a gratidão. Pessoas muito íntimas
dependem de você e pensam que é sua rotineira obrigação estar sempre ali
para servi-las.Não agradecem, não veem o que faz por elas e, ao
contrário, exigem cada vez mais, cobram e até mesmo reclamam quando você
não cumpre com suas expectativas.
Assim
como o amor, em minha opinião, é algo que damos sem esperar nada em
troca (não pode ser quantificado), o que fazemos de bom pelos outros
devemos fazer sem esperar nenhum retorno, sequer um agradecimento ou
reconhecimento. Gratidão, assim como empatia, é coisa rara nas relações
sociais. Poucos são capazes de ver o esforço do outro.
Vivemos
relações egoístas, onde há muita cobrança e reclamação. As pessoas
querem sempre mais e quando não estão satisfeitas em suas exigências
partem para outros relacionamentos, ou traem. Devemos ter consciência de
que quase nunca teremos reconhecimento pelo que fazemos de bom; e que
se fazemos algo de bom, isso deve ter mais a ver com o nosso caráter do
que com uma busca por gratidão.
Por
outro lado, devemos nos esforçar para que nunca deixemos de ser gratos
(e de demonstrar claramente esta gratidão) por aqueles que nos ajudam e
fazem por nós, por menor que seja a ajuda, por mínimo que seja o ato.
Talvez
nunca cheguemos ao ponto de estarmos satisfeitos com o modo como somos
reconhecidos e tratados. Talvez nem mesmo mereçamos a gratidão que
pensamos merecer. É um assunto cheio de subjetividades. Mas tendo tudo
isso que eu disse acima em mente, com certeza podemos melhorar nossas
relações neste aspecto e assim passar a exigir menos e a reconhecer mais
das pessoas ao nosso redor.