quarta-feira, 13 de abril de 2011

Fui criança de brincar na rua. Sujar os pés e as mãos, correr, suar e gritar até cançar ou até a mãe ordenar a volta para casa. Era uma turma grande, a da vizinhança. Entre eles havia esse garoto de olhos verdes, gordinho, meu vizinho mais próximo. Brincávamos muito; bolinhas de gude, futebol, pique-pega. Não tinha pais e os avós que tinha, alcoólatras. Apesar disso, era um menino tranquilo. Igual a todos os demais. Igual a mim. Exceto pelo amor. Não era amado, não era cuidado. Lembro-me até hoje da cena : dia de domingo, iria receber a primeira comunhão. Ele, bem vestido todo de branco, chorava e puxava o braço dos avós, implorando para que fossem à missa presenciar o ritual de passagem. Trôpegos pela bebida, não foram. O garoto foi só.

Fade Out...

Na adolescência perdi contato com quase todos colegas de rua. Alguns mudaram de cidade, outros, mudaram. Entre eles o menino dos olhos verdes. Ganhou tatuagens e maus-hábitos. Começou a utilizar drogas cada vez piores e, consequentemente, amizades idem. Foi preso há 3 anos. Desde então, revezava: um tempo detido, um tempo livre. Apesar de tudo, ao vê-lo na porta de casa, como aconteceu hoje há 4 horas, não consiguia ver alguém mau. Um criminoso, traficante, bandido perigoso, diziam. Deve ter feito muitas coisas ruins, mas nunca nenhuma a mim.

Três estalos. Um motor de motocicleta acelerado. O garoto de olhos verdes não existe mais. Levou tiros e acabou de morrer, na esquina de casa. Lembro que jogávamos bolinhas de gude alí.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

I
Porra, que vergonha. Há quanto tempo não escrevo. Nada.Mas é sempre bom aproveitar a solidão para exercitar as letras.Queria poder dizer que estou com uma cerveja aqui agora comigo,mas não tenho nenhuma cerveja. E tem outras coisas que também não tenho. Fé. Esperança. Otimismo. Confiança. Amor.Tudo isso ,nesse momento, amalgamou-se em indiferença.

II
Vou mentir não. Essa solidão que gera indiferença que gera solidão que gera indiferença, essa coisa cíclica, pra mim, tautológica (solidão=indiferença=solidão=indiferença) às vezes (todas elas) deixa-me numa puta angústa. Queria ficar mal. Triste, que seja. Carente. Algo assim tão normal, sabe.Mas nem. É um tipo de nulidade besta, sem sentido algum. Horas em frente o computador sem fazer nada, babando. Na cama com um livro de 960 páginas nas mãos.Sem ler.Sono sem sonho. Automatismo diário. Rotina mecânica. Rompantes de raiva empatia melodramas mexicanos afeto. Picos. De sobra, no mais, não mais que ela...a indiferença.

III
Nas férias li pouco. Dei um mergulho na biografia dos Beatles (a do Spitz)-ainda não emergi. É extensa. Que mais? Li Carl Solomon, até coloquei alguns trechos aqui. Ginsberg e A Queda da América. Acho que só. Pra mim, escrever tem que ter a ver com loucura. Insanidade. Nada de construtivismo em demasia. Flaubert, Guy de Maupassant. Bleargh. Escrita boa é a que dói. Machuca. Um soco na boca do estômago. Nó nas tripas.Coisas assim. E sempre penso também que no mundo não há mais espaço para escritores que versam sobre a ''big picture''. Sabe? Escritores grandiosos, que falam sobre amor solidão guerra e paz remorso burguesia bohemia o horror o horror e todos os introspectivos os sonhadores os amantes e tudo o mais. Já foi escrito. Nunca haverá melhores. Esse povo das letras precisa pensar pequeno. Os detalhes fazem toda a diferença. Mas é difícil abafar o ego.Tal qual besouro dando cabeçadas repetidas na parede, a maioria ainda tenta. Em vão.Medíocres. E o mesmo vale para o cinema. As grandes obras já foram feitas. Os artistas de hoje deveriam dar mais atenção às migalhas.Às sobras. Alguns souberam muito bem fazer isso e, fora os loucos, são meus preferidos.O resto eu passo.Rio. Não leio.

IV
Para escrever, além de todo o blah blah blah técnico indispensável e do exercício, é preciso ser/estar em um momento extremo. Raiva calma amor ódio indignação vontade determinação ou qualquer coisa assim. A indiferença não é um extremo. É o nada. É neutra.Findo aqui.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

"Desligue a tv..Faça algo extravagante.Mergulhe numa banheira e fique lá por três horas, ou converse com um sujeito esquisito que você encontra na rua.Então você está a caminho daquilo que certos escritores chamam de o maravilhoso. O fim da demência precoce.O que você estava procurando é pura demência, um quarto de reclusão só pra você ou uma camisa-de-força toda sua. E isso porque você queria mudar o curso das coisas e tornar belo o que era feio. Tal alquimia não é certamente um pretexto e não se limita a um só escritor. É um território onde qualquer indivíduo ousado pode penetrar.Ela existe há séculos.E, como diz Lautréamont, o insólito se encontra no banal. o extraordinário deve ser descoberto onde você está. Eu não posso me livrar do fascínio desta visão da vida, a brilhante visão laranja oposta à visão cinza."

(...)

"Quem pode entender minha estranha natureza.Minha paixão pelo absurdo e pelo extravagante. Eu só vivo graças a estas coisas.Eu viajei e pra mim viajar é decepcionante. Onde quer que você vá será sempre um turista,quer dizer, um trouxa para os nativos curiosos. Eu prefiro minha casa, minha imaginação e meus sonhos."

- Carl Solomon.

Lê essa agora...


É.Esse é mais um daqueles malditos desabafos como os que se encontram nas primeiras postagens desse blog pouco lido. De diferente? Tem eu.Mudei pra caramba (ia dizer caralho, mas quero evitar palavrões - estou com mania). Enfim, aquele que alguns chamavam carinhosamente de ''menino bonito, sonhador,romântico'' não existe mais. Agora existe um ser crítico,sarcástico, raivoso.E vazio. Em minha busca pela beleza, pelo amor, pela felicidade aristotélica, encontrei o horrível, o ódio e a tristeza.Tristeza essa pior que a dos primeiros posts.Porque a tristeza de antigamente tinha esperança de um dia encontrar a tal alegria, de se dissipar em uma lugar bonito, em alguém. E agora a tristeza está embasada na angústia causada pelo desespero de se ver só. Não socialmente.Não afetivamente só. Existencialmente só. Em tempos de blah blah blahs globalizacionistas e da extinção do indivíduo crítico e moral, vejo-me só. Só eu existo.E só eu sei o que significa tal desespero. Não confio em ninguém.Porque não há verdades que já não sei e não há mentiras que já não imagino.Não dependo de ninguém. como um suicida balançando na forca, segundos antes de sucumbir,sem ar, tento manter os olhos abertos e, pelo menos por um instante, ter mais um flash de inocência, daquela ignorância que fazia tudo ser/parecer bonito e promissor.Fade out...

Em meu quarto não há janelas. E a porta está emperrada,custa a abrir.Nesse quarto de subsolo, sujo, onde somente insetos que não vejo mas escuto fazem-me companhia,vivo meus dias mecanicamente,como qualquer ser humano. É duro ver-se só, independente na própria existência. Sou eu.Estou aqui. E o que Eu farei? Do que sou capaz?O que quero? Tornar-se único não é fácil. Voltar a ser um Eu não é fácil. Agora não mais busco a felicidade. Busco um modo, senão um porque que pessimista que sou creio que nunca irei encontrar, de viver.Existir só nesse manicômio a céu aberto. Por enquanto, encontro-me no vácuo da existência.Balanço no calabouço que se abriu e tento,ainda,abrir os olhos,sem ar.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Há algumas horas fui ao posto de gasolina de sempre. Abasteci a moto e abasteci-me com uma Heineken. Saí, comprei um charuto e fui à rodoviária. Pra quem não sabe (e acho que ninguém liga muito pra isso) a rodoviária daqui tem um lugarzinho privilegiado, gramado, elevado, de onde dá pra ver a cidade toda.O dia acabou e o vento começou a soprar, as luzes da cidade se ascenderam aos poucos, nuvens rosas e alaranjadas suavemente tornaram-se negras...e eu ali, a soltar baforadas de intensa fumaça sentado na grama. Lembrei-de de eclipses.Sim, eclipses. De dois, especificamente, que tem um significado enorme pra mim. Senti-me enternecido. Um tantinho nostálgico. O vento começou a soprar mais forte. Era noite já. Fui embora e agora , em meu quarto silencioso, em minha casa vazia,escrevo ao som de Barney Kessel interpretando Carmen. É tudo tão tão tão ahhhhhhh! Esses eclipses...onde estarei quando o próximo acontecer?

domingo, 17 de outubro de 2010

Ressalva para um dia de domingo.


Domingo. Comecei endomingado. Acordei às 11 ao som de música sertaneja bem alta. Abri a janela pra reclamar e uma nuvem de fumaça de carne assada adentrou meu quarto. Faziam uma merda dum churrasco aqui em casa. Porra, impossível um domingo começar pior. Vi um filmezinho simplão. Aí liguei pra um amigo e,logo após,uma amiga ligou-me. Nos juntamos e passamos a tarde juntos conversando em uma praça forrada de sementes com um céu nublado e eventuais e agradaveis gotículas de chuva.Então fomos ao Café de sempre:Alguns expressos e aquela conversa boa.De verdade.Senti-me confortável.Leve.Gosto da vida assim, com pouquíssimos, mas belos,amigos. E agora estou em casa novamente, em meu quarto. o churrasco acabou mas a churrasqueira ainda está em brasas. Conto meu dinheiro:3,20 em moedas. Dá mais alguns cafés pra amanhã. E é isso. Queria escrever mais coisas aqui. Mas não preciso. Não para quem não estava comigo hoje.E os que estavam sabem o que quero dizer.

A vida é mesmo um troço engraçado.Nunca estive tão consciente e tão perdido como agora. Quanto mais sei, mais me perco e menos quero seguir em frente.Em tudo. Uma espécie de nulidade, de suspensão da sensação de existir e fazer parte,paira em mim.Inércia. Ausência de sentimentos. Nada me deixa triste mais.Nada me alegra,tampouco.Essa é a palavra:nada.Acordar,trabalhar,comer,dormir,ler,conversar,se relacionar. Movimentos praticamente autômatos.A indiferença rege meus dias.As pequenas coisas que deixavam-me nervoso não mais deixam.Os pequenos prazeres não mais me dão prazer. Estou perdido em muitos aspectos. Na literatura, por exemplo: já li tudo de meus autores preferidos, e não me identifico com mais nenhum.Não no momento.Tenho certeza que há vários por aí esperando ser descobertos.Agora sou menos Holden Caulfield e mais Arturo Bandini. Ah, Bandini...como queria sentar ao seu lado em uma mesa de bar poeirento no subúrbio de Los Angeles e conversar sobre a vida. Sobre como todo mundo é tão medíocre, tão burro,e sobre como somos superiores.Sim,somos! Você,caro amigo Bandini, revolucionará a literatura: um novo Joyce, um novo Proust, um novo Nietzsche! Já eu...eu não sei. Preciso seguir seu conselho.Sair desse buraco de cidade onde vivo, ir para uma cidade melhor.Maior.Onde a oportunidade está. Por enquanto estou atolado.Em dívidas, obrigações e estudo. Mas daqui pouco mais de um ano,aí não haverão mais desculpas. Mais ''porques''. O negócio vai ser pegar a estrada. Eu, minha moto, minha coragem e vontade. Até lá, procuro ter,dessas coisas, o que não tenho ainda: a coragem e a vontade. Vamos ver onde isso vai dar...

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Não sei o que tem acontecido comigo. Estou sem foco.Estou distanciando-me das pouquíssimas pessoas que gosto muito.Em meu tempo livre, nada faço. Como nesse último fim-de-semana-de-frio-e-chuva:fiquei na cama o tempo todo. Levantando apenas para fazer as necessidades básicas - ir ao banheiro, comer algo, ir até o computador escolher o próximo filme - vi muitos filmes e ouvi muita música, isso sempre. Não digo que estou agorafóbico, pois isso é um grave distúrbio. Mas estou sem vontades. Estou triste e só, e quanto mais assim eu fico, mais quero ficar. Apesar de, lá no fundinho, sentir uma imensa vontade de fazer as coisas que quero, nãos as faço.E não sei ao certo por quê. Tenho estado muito tempo em contato comigo mesmo. ''Introspectivando...'' - e não sei se isso é bom. De tanto tentar conhecer os meus abismos, creio que cheguei a um lugar profundo e escuro demais. E não sei se quero sair de lá. Não sei se consigo.

I'm going to the darklands
to talk in rhyme
with my chaotic soul
as sure as life means nothing
and all things end in nothing
and heaven i think
is too close to hell
i want to move i want to go
i want to go
oh something won't let me

Uma dia de inverno...

Acordei adiantado hoje. Cheguei logo cêdo ao trabalho.Não tive coragem de tirar o cachecol. Ao digitar meu login no computador, não sentia a ponta dos meus dedos gelados.O primeiro álbum desse dia frio foi o Darklands. Soturno, melancólico, mas não tão deprê.Enfim,um clássico. Durante a tarde caminhei bastante, levando documentos de um lugar a outro. Gosto de andar com o tempo assim.As pessoas ficam mais elegantes e, por um tempo, não me vejo em meio a uma multidão com peitos e bundas de fora. Com o frio, vem o pudor (da proteção). Cheguei em casa e antes de ir para a faculdade tomei um banho. Devo admitir aqui: às vezes sinto vontade de incorporar um específico costume francês, em tempos frios...não é nada bom tomar banho todos os dias e sair tilintando da ducha quentinha e se secar depressa.No calor, vá lá, tomo até três banhos diários. Mas no frio...
Após uma noite tranquila de aulas na faculdade, noite amena, sem presenças desagradáveis em sala, um amigo veio comigo até em casa para finalizarmos um trabalho. Nos descontraímos. Fizemos o ''motherfuckin' work''. levei-o até em casa e, na volta, curti a solidão da cidade em uma segunda - feira de madrugada, sem carros nem pessoas nem nada nem ninguém a não ser eu.
Em casa, logo que abri a porta minha gata preta entrou comigo. Abri a geladeira, piquei vários pequeninos pedaços de carne e dei a ela (de tão velhinha já não tem dentes, então precisa da comida minimamente cortada para poder engolir). Sentei no sofá e ela deitou ao meu lado. no sofá da frente estava (ainda está enquanto escrevo este texto e com certeza ficará a noite toda) meu cachorro. Então fiquei em silêncio, olhando a gata tomando seu banho seco ao meu lado (banho seco no inverno é uma boa...) e o cachorro, sonolento, encarando-me carinhosamente. No silêncio da minha casa, junto dos animais, senti algo. Algo bom.Solidão, conforto. Fiquei pensando na ingenuidade dos dois ali comigo, na pureza simples dos animais. E, por um instante, só por um pequenino instante, senti-me assim também: ingênuo.Puro.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Há três dias seguidos chego em casa e sinto um odor funesto. Meu pai trabalha à noite e minha mãe também. Não não, ambos têm trabalhos pudicos e socialmente corretos e bem quistos pela sociedade. E a minha irmã dorme sempre na casa de minha avó, para fazer-lhe companhia. Síntese: chego em casa e passo a noite toda só. É perfeito. Mas esse cheiro começou a incomodar-me muito, além do normal.

É um cheiro de morte, adocicado, que penetra nas narinas e não sai mais. Pois hoje resolvi fazer uma investigação. Depois de abrir e fechar armários e verificar até no lixo, descobri o que era. Um maldito odorizador com perfume de rosas. Explicado. As rosas têm uma relação direta com a morte para mim. Lá pelos meus doze anos fui com a família toda a uma cidadezinha onde outros parentes moram, para o velório de uma prima distante, que morreu ainda criança, atropelada por um carro. Como ainda é costume em muitas cidadezinhas, velavam-na em casa. Lembro-me perfeitamente da garota de cabelos louros cacheados, pálida e inchada suspensa dentro da urna no meio da sala.A mãe da garota, cega, tateava o rosto frio e maquiado e chorava lágrimas invisíveis. Outros estavam em silêncio, sentados em cadeiras ao redor da morta. Alguns caminhavam até ela, olhavam-na, pegavam sua mão.Retiravam-se.E rosas. Em volta da urna ou em adornos nas paredes. Rosas por toda a sala.

Durante a viagem eu só pensava em uma coisa: nunca havia visto alguém morto antes em minha vida. Qual será a temperatura corporal, a textura e, principalmente, o cheiro? Tinha quase certeza que um forte odor de carne em decomposição emanaria da minha parente morta. Mas não. Nesse dia, toda a casa, a morta, a tristeza das pessoas, tinham cheiro de rosas. E, desde então, as rosas tem o cheiro da morte. Cheiro esse que não gosto nem um pouco. Alguns anos depois, quando, ao entrar na casa de minha avó, senti o mesmo cheiro. meu coração acelerou e abri a porta de seu quarto rapidamente. Ela estava na cama sentada com um hidratante corporal de leite de rosas nas mãos. Foi como vê-la morta em vida.E, sem explicar meus motivos, convenci-a de nunca mais usar tal produto tétrico.