terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Algumas músicas são maiores do que a vida

Às vezes demoramos para notar isso. Às vezes ouvimos a mesma música por anos, até que um dia a epifania acontece. Então passamos a ter a certeza e ver com clareza que tal música é de fato maior do que a vida. Isso me acontece de tempos em tempos. Neste ano de 2019 aconteceu duas vezes. Falarei aqui sobre a música da segunda ocasião. A música é “The Last Time I Saw Richard”, da Joni Mitchell.

Ouço “Blue” desde que me entendo por gente. E desde a primeira audição, sempre achei um dos maiores álbuns músicais já feitos. Como disse Renato Russo, na introdução do cover feito para o Mtv Acústico da Legião Urbana: é uma das maiores poetas do rock’n roll e é uma letra seríssima.
O álbum de 1971 é como uma viagem por diversos sentimentos, mas sempre com um tom melancólico (o título da obra não se refere a uma cor, afinal). Desde o começo, com “All I Want”, até o encerramento com “The Last Time I Saw Richard”, às vezes enfrentar uma audição detalhada e atenciosa pode ser uma quasi-tour-de-force, principalmente se você for uma pessoa mais empática ou com tendência a ficar “na bad” depois de apreciar uma obra densa. Ao longo dos anos as minhas músicas preferidas mudaram. Lembro bem que minha primeira preferida foi “All I Want”. Depois de alguns anos passou a ser “River” e, ultimamente, era “A Case Of You” (que continua a ser uma das mais belas composições da música pop!).
Sempre encarei “The Last Time I Saw Richard” como aquela música que a Legião Urbana tocou. Por isso, e por ser a última composição do lado B, ela nunca chamou minha atenção. Até agora.
Após uma introdução ao piano, Joni canta:

The last time I saw Richard was Detroit in ‘68 // And he told me // all romantics meet the same fate someday // Cynical and drunk and boring someone in some dark cafe // You laugh, he said you think you’re immune, // go look at your eyes //They’re full of moon // You like roses and kisses and pretty men to tell you // All those pretty lies, // pretty lies // When you gonna realize //they’re only pretty lies//Only pretty lies, just pretty lies…

E isso me atingiu como um soco. Tornei-me Richard, afinal. Ou pelo menos tive o destino que, segundo ele, os “românticos” tendem a encarar algum dia. Como alguém que lia Goethe e fantasiava vidas inteiras com garotas que me diziam “oi” com um sorriso aos 16 anos de idade, creio que tenho propriedade para falar sobre o assunto.
Nada mais natural do que, com o passar dos anos e com as experiências, abandonar o romantismo e notar que a vida real não pode ser fantasiosa, perfeita ou trágica. No entanto, para alguém que afundou sua juventude em poetas e escritores românticos, quase não há alternativa a não ser trocar tudo isso por uma visão cínica, fria e realista sobre qualquer relacionamento. Mas a letra da canção segue:

He put a quarter in the Wurlitzer, and he pushed //Three buttons and the thing began to whirr //And a bar maid came by in fishnet stockings and a bow tie //And she said drink up now it’s gettin’ on time to close //Richard, you haven’t really changed, I said //It’s just that now you’re romanticizing some pain that’s in your head //You got tombs in your eyes, but the songs //You punched are dreaming //Listen, they sing of love so sweet, love so sweet //When you gonna get yourself back on your feet? //Oh and love can be so sweet, love so sweet…

Ao não mais romantizar relacionamentos, passei a romantizar a dor, o vazio e a frustração que ocorriam com a falta deles (ou por causa deles). No entanto, se ninguém consegue ser feliz o tempo inteiro, ninguém também consegue ser uma pessoa amarga o tempo todo.
Por isso, apesar de tudo, continuei (continuo) a me cercar de belas obras. Afinal, os poetas românticos ainda são impecáveis, as pinturas de Turner, R. Wilson, Konstantinovich e tantos outros ainda evocam profundos sentimentos e sensações e todos os clichês e repetições da música pop ainda me arcertam em cheio a cada nova canção de amor.

Na real, não dá para seguir sem estas coisas. É por isso que em todo natal revejo “The Shop Around The Corner” e ainda me emociono. Precisamos disso – por mais que isso seja apenas uma romantização cafona e efêmera.

Richard got married to a figure skater/And he bought her a dishwasher and a Coffee percolator//And he drinks at home now most nights with the TV on//And all the house lights left up bright//I’m gonna blow this damn candle out//I don’t want Nobody comin’ over to my table//I got nothing to talk to anybody about//All good dreamers pass this way some day//Hidin’ behind bottles in dark cafes//Dark cafes//Only a dark cocoon before I get my gorgeous wings//And fly away//Only a phase, these dark cafe days.

São fases, afinal. Em um dia acreditamos no amor como a única salvação. No outro, somos cínicos bêbados e entediantes. Mas há uma constante, sempre a mesma, sempre necessária e real: a arte. E foi assim que “The Last Time I Saw Richard” se tornou a minha canção preferida do álbum. Uma canção maior do que a vida.


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sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Resoluções de ano novo



Nunca fiz este tipo de coisa. Nesta passagem de ano foi a primeira vez que realmente me dei ao trabalho de criar objetivos, metas e caminhos para o ano novo. Não pensei em muitas coisas - porque cumprir mesmo poucas resoluções pode ser algo difícil. Bem, vamos a elas:

1 - trocar meu veículo. Tenho a mesma moto há 12 anos. Visualmente ela está feia: suja, com alguns amassados e falhas na pintura. Mas  não me importo com isso e o que importa está novo. Troco o óleo, uso somente combustível de confiança e eu mesmo faço revisões periódicas. Mas minha moto é pequena, e isso dificulta longas viagens (dificulta, mas não impede). Ainda não sei se pego uma moto maior ou um carro. O mais importante eu já consegui, que é o valor. Enquanto não decido, junto mais uma grana enquanto espero. 

2 - praticar exercícios. Bem, não é uma resolução tão nova, uma vez que tem mais de 2 anos que faço musculação. A novidade/resolução diz respeito a exercícios aeróbicos. Comecei bem de leve. Mas está dando certo.

3 - dedicar mais tempo e atenção a mim mesmo. Esta é a resolução mais importante. Eu parei de correr atrás de pessoas que não se esforçam pra estar comigo. Antes, se alguém me chamava para fazer algo, eu sempre topava, mesmo sem vontade. Agora, aprendi a dizer não. Aprendi a fazer o que realmente quero. Em vez, por exemplo, de viajar debaixo de chuva por mais de uma hora para estar com alguém que pouco se importa comigo, estou aqui em meu quarto, deitado confortavelmente em minha cama. Amanhã acordarei cedo para me exercitar. Vou rever uma pessoa que é uma grande amiga à noite. E durante o dia quero ler muito. E isso não poderia me deixar mais feliz. A partir deste ano vou viver assim, fazendo só o que quero, o que me faz bem, e vou deixar as chateações e prováveis decepções de lado. Não gosto de pensar no quanto já me sacrifiquei para agradar certas pessoas. Mas pelo menos agora (sim, a palavra da vez é "agora") eu mudei. 

Resumindo: o ano mal começou e eu já consegui cumprir minhas resoluções. Este ano tem tudo para ser um grande ano. E será. 




quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Adultos

Os adultos fazem negócios.
Têm rublos nos bolsos.
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!

E eu, sem casa e sem teto, com as mãos metidas nos bolsos rasgados, vagava assombrado.
À noite vestis os melhores trajes e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim Moscou me sufocava de abraços com seus infinitos anéis de praças.
Nos corações, no bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito do amor!

Eu, que sou a Praça da Paixão, surpreendo o pulsar selvagem do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora, abria-me ao sol e aos jatos d'água.
Entrai com vossas paixões! Galgai-me com vossos amores!
Doravante não sou mais dono de meu coração!

Nos demais - eu sei, qualquer um o sabe!
O coração tem domicílio no peito.
Comigo a anatomia ficou louca.
Sou todo coração - em todas as partes palpita.
Oh! Quantas são as primaveras em vinte anos acesas nesta fornalha!
Uma tal carga acumulada torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável não para os versos
deveras.

V.M.

Sinto sua falta

Essa expressão tão comum é sempre usada quando queremos dizer que sentimos saudade de alguém. Mas saudade é uma palavra deveras profunda e significativa e pode se aplicar não só a pessoas, mas a objetos e épocas. 

Sentir a falta de alguém. Se a saudade é uma espécie de desejo, de intenção de mais uma vez ter ou estar com alguém, com algo ou em algum lugar ou situação, sentir a falta é um tanto diferente.

Corte para a primeira pessoa.

Eu sinto a sua falta. Sinto o vazio de cada lugar em que você não está. Sinto o silêncio de cada palavra ou risada que você não deu. A falta em si não é um sentimento, mas ela provoca muitos, que vão da leveza nostálgica provocada por uma lembrança à tristeza provocada por outra. 

A falta, a SUA falta, tem um peso, deixa um buraco. Esse vazio é preenchido com sentimentos, bons e ruins, que tentam capturar como era estar com você e como é não estar. Falta é um peso com o qual tenho que conviver. Carrego esse peso onde quer que eu vá. Em alguns dias, mal noto. Em outros, seguir em frente fica difícil, porque o peso é sentido. Mas a vida também é sobre isso: seguir em frente. E sigo. 


terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Fotografei você em minha rolleiflex...


A foto acima, que ilustra o cabeçalho deste blog, é de minha autoria. Foi tirada no inverno de 2009, com uma Rolleiflex sl 35 e filme Kodak vencido. Fui de moto até uma ponte que fica a uns 8 km de onde moro. Tirei algumas fotos e voltei para casa. Era um dia nublado e frio. Não tenho mais a câmera, mas ainda tenho alguns rolos de filmes. Quem sabe um dia eu consigo uma nova analógica para fotografar o mundo em um inverno qualquer...

Sobre videolocadoras

Eu adorava as videolocadoras. Mesmo no auge do torrent eu ainda alugava dvds. Era incrível poder passar os olhos pelas capas, ler cada sinopse e escolher algumas companhias para o fim de semana. Descobri tantos filmes bons assim...

Em minha cidade, eu frequentava muito 3 locadoras.Uma era da rede 100% Video, concorrente de gigantes de outrora, como a Blockbuster. Aluguei centenas de filmes ali, a maioria ainda em VHS. Sempre havia promoções e eu adorava as revistas mensais com notícias do mundo do cinema. Esta rede agonizou até meados de 2017, quando finalmente fechou.

Depois passei a alugar na Locadora do B*to (deixo o * para não indexar em buscas do google). Era uma das mais antigas da cidade. Eu sempre pegava 5 ou 6 dvds de uma só vez lá. Era conhecido do dono e sempre conversávamos enquanto eu pesquisava tranquilamente quais levaria comigo.

Por último, passei a pegar meus filmes em uma locadora que foi aberta em uma garagem de uma casa, juntamente a um cômodo anexo. Parecia, à primeira vista, uma dessas locadoras insignificantes de periferia. Mas ali dentro a mágica acontecia. O dono era cinéfilo, um verdadeiro amante do cinema, e, além disso, ele amava música e conhecia MUITA coisa. Cada vez que eu aparecia por lá, ficava por 3 horas ou mais conversando com ele. Desenvolvemos uma sincera amizade e sempre falávamos sobre música e cinema. Foi uma época incrível, de aprendizado e troca de experiências. Um tempo depois ele fechou a locadora e, após alguns anos, faleceu repentinamente. Ao ler a notícia de sua morte, por acaso, fiquei um tanto abatido - e ainda sinto ao pensar nisso.

Essas experiências em videolocadoras não existem mais. Com serviços de streaming ficamos em nossos quartos e temos tudo ali. Essa época das videolocadoras e minha experiência com elas é uma dessas pequenas coisas que acontecem em nossas vidas, das quais sempre nos lembraremos com afeto e com um sorriso no rosto. Sempre.

domingo, 19 de janeiro de 2020

Clube de leitura


Uma das últimas coisas realmente positivas e significativas que fiz em minha vida foi criar um Clube de Leitura. Lemos uma obra e nos reunimos uma vez por mês. A escolha se dá por votação entre os membros. Em quase um ano, passamos por temas como distopias, romances históricos, livros de terror, autores brasileiros, autoras negras e alguns mais.

 Li muitas obras que, se não fosse pelo clube, jamais teria lido. Conheci pessoas incríveis e consegui subverter a questão do leitor solitário. Tem sido uma experiência e tanto poder ler em conjunto e fico realmente feliz com cada reunião. 




sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Metade

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
pois metade de mim é o que eu grito
a outra metade é silêncio
 
Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante
pois metade de mim é partida
a outra metade é saudade.
 
Que as palavras que falo
não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos
pois metade de mim é o que ouço
a outra metade é o que calo
 
Que a minha vontade de ir embora
se transforme na calma e paz que mereço
que a tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
a outra metade um vulcão
 
Que o medo da solidão se afaste
e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
que me lembro ter dado na infância
pois metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei
 
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o seu silêncio me fale cada vez mais
pois metade de mim é abrigo
a outra metade é cansaço
 
Que a arte me aponte uma resposta
mesmo que ela mesma não saiba
e que ninguém a tente complicar
pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
pois metade de mim é plateia
a outra metade é canção.
 
Que a minha loucura seja perdoada
pois metade de mim é amor
e a outra metade também.
 
O. M.

Foi um ano bom.

2007 foi o melhor ano da minha vida. 2012 também foi um bom ano. Estou estranhamente esperançoso sobre 2020. De 2007 pra cá são 13 anos. 13. Longos. Anos. Tudo mudou. No entanto, certos sentimentos insistem em se manter profundos e sinceros. Certas coisas nem o tempo é capaz de apagar, por mais que tudo esteja estranho e distante e sem solução. O que é bom eu guardo comigo.



É.

Ilustração de Keaton Henson