quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

A um antigo amigo

Lembro de nossa adolescência. Dos sábados inteiros ouvindo música e vendo o programa alto-falante na TV Cultura.Dos DVDs de shows que víamos juntos, dos inúmeros cds e fitas e mp3 trocados ao longo dos anos.

Das andanças sem rumo, das bebedeiras, das risadas.

Lembro de quando passamos quase dois dias em uma cidade de merda no meio do nada para ver um show, com uma garrafa de cognac barato. Da bebedeira na praça, de velhos tocando malageña salerosa em um bar e a gente sem saber se era real ou delírio. Da gente ouvindo Oasis madrugada adentro enquanto o próximo ônibus não chegava.

Lembro das inúmeras bandas em músicos que me mostrou. Daquele dia chuvoso em que vimos o dvd Music Bank do Alice in Chains.

Lembro de como você escrevia bem. Contos e poemas. Tinha uma energia brutal em tudo o que criava. Era uma escrita passional.

De nossas conversas sobre filosofia, política, literatura, música e tudo o mais.

Por anos a fio.

Lembro de como não nos encaixávamos na sociedade. De como não nos curvávamos a nada e nem a ninguém. De nossa rebeldia, de nosso orgulho, de nossa confusão. Estávamos perdidos, abandonados e não sabíamos de nosso futuro. Apenas vivíamos. Admirávamos os beatniks, por apreciação e afinidade.Éramos marginais subterrâneos. Ou algo assim.

Mas o tempo te quebrou. Ou, não, melhor: o tempo te consertou. Hoje, praticamente 20 anos depois de quando nos conhecemos, você se afastou, tem sua vida, sua família, sua religião e tal. Faz parte da sociedade. E eu me orgulho de você - acredite ou não. Espero que esteja bem e em paz, seja aonde for, seja com quem estiver. Penso em você.

p.s.: E eu? Caso leia isso um dia qualquer, posso dizer: continuo perdido. Sem rumo. Ainda afoito pelo futuro. Ainda sem me encaixar em nada, em nenhum grupo, crença ou sistema. Tornei-me um tanto solitário. Mais do que nunca. Ainda vejo meus filmes e ouço minhas músicas. Ainda bebo minhas cervejas e meus Jack Daniels. Ainda ando por aí sem rumo. Ainda resisto (ao que mesmo?) e luto (pelo que mesmo?). Enfim, não mudei tanto assim. É isso. 

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