quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Adultos

Os adultos fazem negócios.
Têm rublos nos bolsos.
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!

E eu, sem casa e sem teto, com as mãos metidas nos bolsos rasgados, vagava assombrado.
À noite vestis os melhores trajes e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim Moscou me sufocava de abraços com seus infinitos anéis de praças.
Nos corações, no bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito do amor!

Eu, que sou a Praça da Paixão, surpreendo o pulsar selvagem do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora, abria-me ao sol e aos jatos d'água.
Entrai com vossas paixões! Galgai-me com vossos amores!
Doravante não sou mais dono de meu coração!

Nos demais - eu sei, qualquer um o sabe!
O coração tem domicílio no peito.
Comigo a anatomia ficou louca.
Sou todo coração - em todas as partes palpita.
Oh! Quantas são as primaveras em vinte anos acesas nesta fornalha!
Uma tal carga acumulada torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável não para os versos
deveras.

V.M.

Sinto sua falta

Essa expressão tão comum é sempre usada quando queremos dizer que sentimos saudade de alguém. Mas saudade é uma palavra deveras profunda e significativa e pode se aplicar não só a pessoas, mas a objetos e épocas. 

Sentir a falta de alguém. Se a saudade é uma espécie de desejo, de intenção de mais uma vez ter ou estar com alguém, com algo ou em algum lugar ou situação, sentir a falta é um tanto diferente.

Corte para a primeira pessoa.

Eu sinto a sua falta. Sinto o vazio de cada lugar em que você não está. Sinto o silêncio de cada palavra ou risada que você não deu. A falta em si não é um sentimento, mas ela provoca muitos, que vão da leveza nostálgica provocada por uma lembrança à tristeza provocada por outra. 

A falta, a SUA falta, tem um peso, deixa um buraco. Esse vazio é preenchido com sentimentos, bons e ruins, que tentam capturar como era estar com você e como é não estar. Falta é um peso com o qual tenho que conviver. Carrego esse peso onde quer que eu vá. Em alguns dias, mal noto. Em outros, seguir em frente fica difícil, porque o peso é sentido. Mas a vida também é sobre isso: seguir em frente. E sigo. 


terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Fotografei você em minha rolleiflex...


A foto acima, que ilustra o cabeçalho deste blog, é de minha autoria. Foi tirada no inverno de 2009, com uma Rolleiflex sl 35 e filme Kodak vencido. Fui de moto até uma ponte que fica a uns 8 km de onde moro. Tirei algumas fotos e voltei para casa. Era um dia nublado e frio. Não tenho mais a câmera, mas ainda tenho alguns rolos de filmes. Quem sabe um dia eu consigo uma nova analógica para fotografar o mundo em um inverno qualquer...

Sobre videolocadoras

Eu adorava as videolocadoras. Mesmo no auge do torrent eu ainda alugava dvds. Era incrível poder passar os olhos pelas capas, ler cada sinopse e escolher algumas companhias para o fim de semana. Descobri tantos filmes bons assim...

Em minha cidade, eu frequentava muito 3 locadoras.Uma era da rede 100% Video, concorrente de gigantes de outrora, como a Blockbuster. Aluguei centenas de filmes ali, a maioria ainda em VHS. Sempre havia promoções e eu adorava as revistas mensais com notícias do mundo do cinema. Esta rede agonizou até meados de 2017, quando finalmente fechou.

Depois passei a alugar na Locadora do B*to (deixo o * para não indexar em buscas do google). Era uma das mais antigas da cidade. Eu sempre pegava 5 ou 6 dvds de uma só vez lá. Era conhecido do dono e sempre conversávamos enquanto eu pesquisava tranquilamente quais levaria comigo.

Por último, passei a pegar meus filmes em uma locadora que foi aberta em uma garagem de uma casa, juntamente a um cômodo anexo. Parecia, à primeira vista, uma dessas locadoras insignificantes de periferia. Mas ali dentro a mágica acontecia. O dono era cinéfilo, um verdadeiro amante do cinema, e, além disso, ele amava música e conhecia MUITA coisa. Cada vez que eu aparecia por lá, ficava por 3 horas ou mais conversando com ele. Desenvolvemos uma sincera amizade e sempre falávamos sobre música e cinema. Foi uma época incrível, de aprendizado e troca de experiências. Um tempo depois ele fechou a locadora e, após alguns anos, faleceu repentinamente. Ao ler a notícia de sua morte, por acaso, fiquei um tanto abatido - e ainda sinto ao pensar nisso.

Essas experiências em videolocadoras não existem mais. Com serviços de streaming ficamos em nossos quartos e temos tudo ali. Essa época das videolocadoras e minha experiência com elas é uma dessas pequenas coisas que acontecem em nossas vidas, das quais sempre nos lembraremos com afeto e com um sorriso no rosto. Sempre.

domingo, 19 de janeiro de 2020

Clube de leitura


Uma das últimas coisas realmente positivas e significativas que fiz em minha vida foi criar um Clube de Leitura. Lemos uma obra e nos reunimos uma vez por mês. A escolha se dá por votação entre os membros. Em quase um ano, passamos por temas como distopias, romances históricos, livros de terror, autores brasileiros, autoras negras e alguns mais.

 Li muitas obras que, se não fosse pelo clube, jamais teria lido. Conheci pessoas incríveis e consegui subverter a questão do leitor solitário. Tem sido uma experiência e tanto poder ler em conjunto e fico realmente feliz com cada reunião. 




sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Metade

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
pois metade de mim é o que eu grito
a outra metade é silêncio
 
Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante
pois metade de mim é partida
a outra metade é saudade.
 
Que as palavras que falo
não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos
pois metade de mim é o que ouço
a outra metade é o que calo
 
Que a minha vontade de ir embora
se transforme na calma e paz que mereço
que a tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
a outra metade um vulcão
 
Que o medo da solidão se afaste
e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
que me lembro ter dado na infância
pois metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei
 
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o seu silêncio me fale cada vez mais
pois metade de mim é abrigo
a outra metade é cansaço
 
Que a arte me aponte uma resposta
mesmo que ela mesma não saiba
e que ninguém a tente complicar
pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
pois metade de mim é plateia
a outra metade é canção.
 
Que a minha loucura seja perdoada
pois metade de mim é amor
e a outra metade também.
 
O. M.

Foi um ano bom.

2007 foi o melhor ano da minha vida. 2012 também foi um bom ano. Estou estranhamente esperançoso sobre 2020. De 2007 pra cá são 13 anos. 13. Longos. Anos. Tudo mudou. No entanto, certos sentimentos insistem em se manter profundos e sinceros. Certas coisas nem o tempo é capaz de apagar, por mais que tudo esteja estranho e distante e sem solução. O que é bom eu guardo comigo.



É.

Ilustração de Keaton Henson

Sobre abrir seu coração

Você não ganha nada ao abrir seu coração. Falar de sentimentos, de amor, de saudade, de desejos e vontades abertamente com quem quer que seja não é garantia de reciprocidade. Por isso, a esmagadora maioria das pessoas prefere se fechar. Essas pessoas não demonstram como realmente se sentem. Guardam rancores e amores por anos. E isso não é bom - as doenças psicossomáticas estão aí para provar.

Eu nunca fui de guardar sentimentos. Chega a ser paradoxal, porque sou uma pessoa que gosta de ficar quieta, que não curte grupos ou conversa fiada. Mas quando se trata de se abrir, para usar uma expressão em inglês que cabe bem aqui, "I wear my heart on my sleeve".

Hoje em dia a maneira como quase todos se relacionam com o mundo é pautada na recompensa. No retorno. Deste modo, muitos acham natural apenas demonstrar como realmente se sentem somente para pessoas em que confiam e sabem que retornarão ou pelo menos que compreenderão o sentimento. Para o mundo, para todas as outras pessoas, para as situações que envolvem risco - de não ter reciprocidade, de a pessoa se distanciar ou não gostar - a maioria se fecha.


Mas eu não consigo ser assim. Ainda não sei se isso é um defeito, mas é um fato. Eu sempre falo o que sinto - até mesmo em algumas situações em que não deveria. Não espero retorno, não espero que a pessoa também se abra comigo. Quando acontece é algo maravilhoso, mas é coisa rara. Já me abri com pessoas e contei coisas que guardava comigo há anos e não obtive uma resposta à altura da minha expectativa. Mas não me importo, porque não consigo ser diferente. Por ser assim, vivo sempre em paz e com uma sensação de leveza, de tranquilidade - ouso dizer até mesmo que vivo com amor - é possível, sim, viver uma vida repleta de amor!





quinta-feira, 16 de janeiro de 2020